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Neste momento em que o Ministério Público debaterá o chamado “intervalo bíblico”, que são cultos religiosos em escolas de Pernambuco, vale a pena examinarmos uma ideia parecida, que mistura educação e religião: o projeto para construir o Museu Nacional da Bíblia em Brasília.
Há alguns meses, o STJ suspendeu o projeto do museu. Foi mais um capítulo da disputa que se arrasta nos tribunais e envolve a construção, com dinheiro público, de um edifício em pleno Eixo Monumental da Capital. O projeto é de responsabilidade do Governo do DF e tem sido defendido pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) e pela Frente Parlamentar Evangélica, que promete recursos de emendas para a obra.
A Bíblia merece um museu na capital federal? A resposta depende de uma outra pergunta: do que estamos falando quando se trata da Bíblia?
A Bíblia é, em si, um monumento cultural e literário. Em muitos países, dentre eles o Brasil, ela faz parte do processo histórico de formação da identidade nacional e influencia o pensamento e a sensibilidade de grande parte da população, inclusive dos não religiosos. Um museu que integrasse a Bíblia como fenômeno cultural pode fazer sentido.
Mas isso implicaria um projeto bem diferente do que está sendo proposto em Brasília. Um museu é uma instituição de conhecimento. A partir de seu acervo, produz um saber e expõe esse saber ao seu público. Supõe uma política de acervo, de curadoria, um corpo qualificado de pesquisadores, historiadores e museólogos, e a existência de um projeto pedagógico para integrar escolas e outras entidades da comunidade.
Nada disso, porém, está sendo tratado no atual projeto e a razão é simples: a sua concepção de Bíblia é puramente confessional, a de um texto sagrado, base de uma doutrina específica dentro do cristianismo.
A presença massiva de líderes evangélicos no lançamento da pedra fundamental do museu pelo governador de Brasília, em dezembro de 2019, não deixa dúvidas sobre o caráter religioso do empreendimento. Embora a proposta seja apresentada como “um equipamento público comunitário de caráter cultural”, o museu foi concebido como o monumento de uma corrente religiosa.
Muito do patrimônio histórico e cultural brasileiro tem origem e natureza religiosas: igrejas, terreiros, estátuas, manifestações festivas. Parte desse patrimônio é reconhecido por órgãos do Estado e pode mesmo receber verbas públicas para sua manutenção, reforma, divulgação, etc. É o resultado de se considerar a religiosidade como um fenômeno social relevante. Coisa muito diferente é destinar verbas públicas para contemplar a visão religiosa de um grupo específico.
Em se tratando de museu, uma preocupação essencial deveria ser o seu acervo. Nada tem sido dito a esse respeito. Qual seria o recheio do museu? Quais seriam os artefatos, imagens, manuscritos e outros objetos que seriam mostrados em uma exposição? Ou se está pensando em um museu puramente virtual? Se for isso, teria sentido construir um prédio?
Alguns defensores da ideia evocaram como modelo o Museu da Bíblia de Washington. É um péssimo exemplo! Trata-se de um empreendimento privado, erguido por uma das famílias mais ricas dos EUA, fervorosamente evangélica. O Museu de Washington é claramente fundamentalista e a busca bilionária para a constituição de seu acervo transformou-se num dos maiores escândalos de tráfico e falsificação de antiguidades dos últimos anos.
Por ora, a ideia do Museu de Brasília é apenas um prédio sem conteúdo. Custaria R$ 26 milhões. Os herdeiros do escritório de Oscar Niemeyer, aliás, desautorizaram o uso de desenhos do arquiteto no empreendimento. Daí uma licitação para o novo edifício.
Como foi pensado, o Museu de Brasília não contribui para valorizar a Bíblia como um patrimônio cultural e literário. Seria mais interessante pensar em uma instituição que promovesse o estudo e a divulgação da diversidade religiosa brasileira, da qual a Bíblia é parte essencial. Seria também mais apropriado a um Estado laico, que respeita as diferentes manifestações da fé.
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